Sessão de abertura (Luís Filipe Menezes, David Justino e António Gomes Ferreira)
A adoção recente da “Agenda para as Novas Competências na Europa” coloca grandes desafios a Portugal, pois apesar dos progressos alcançados nas últimas décadas subsiste um expressivo défice estrutural de qualificações na população adulta portuguesa. Assim, e tendo por base a importância de promover um momento de reflexão coletiva em torno das necessidades de educação e formação das pessoas adultas – tanto para o aumento da sua escolarização, como para o desenvolvimento das suas qualificações profissionais -, a FPCEUC foi palco, no dia 29 de maio, do Seminário “Educação e Formação para a População Adulta”, organizado por esta Faculdade e pelo Conselho Nacional de Educação.
1.º PAINEL | Análise crítica da evolução das políticas e retrato atual
Ana Cláudia Valente abriu o 1.º painel e, assim, a “ordem de trabalhos” com a apresentação intitulada “Adultos e participação na Aprendizagem ao Longo da Vida: desafios para Portugal”. Salientou que a taxa de participação desagregada por níveis de qualificação é reveladora do significativo atraso do nosso país e que são os adultos mais escolarizados quem mais procura formação. Afirma existir, assim, um grande desafio estrutural colocado a Portugal (cujos valores estão completamente invertidos em relação àquela que tem sido a tendência da UE): romper com a “low skills trap”. Referiu, ainda, que é necessário ter em consideração a “procura” (sabendo que a idade e a escolaridade são as variáveis que mais contribuem para explicar a participação na ALV e que a escolaridade de ensino secundário aumenta em 83% a probabilidade de participar), mas também a “oferta” (considerando que os processos de RVCC, os Cursos EFA e as Formações Modulares Certificadas constituíram-se como as respostas de qualificação da população adulta). Aponta, face ao que tem sido a EFA nos últimos anos, três desafios: (1) reduzir a “quase inevitabilidade” da desigualdade na participação em ALV, não esquecendo as pessoas que apresentam mais baixas qualificações e contrariando o “peso” da idade; (2) apostar na educação e formação formal, mas sem desperdiçar o contributo e a complementaridade das aprendizagens não formais nem a necessidade de formação relevante, com sentido e qualificante, em períodos de desemprego; (3) promover orientação ao longo da vida através de: redes e parcerias locais, serviços de proximidade, plataformas de mobilização para a ALV, capitalização de percursos de formação e experiências anteriores e regresso de adultos com percursos de formação por completar.
De seguida, assistiu-se à intervenção de Paula Guimarães com um contributo alusivo às “Políticas públicas de educação de adultos e aprendizagem ao longo da vida em Portugal: circunstâncias e desafios”. O ano de 2000 marcou o surgimento de ofertas inovadoras, como os processos de RVCC e os Cursos EFA. Após 2005, a educação de adultos ganhou destaque na agenda política e o elevado financiamento concedido, sobretudo por via da UE, favoreceu um aumento significativo da participação dos adultos, levando a reconhecer o esforço no cumprimento do direito à educação para todos. No entanto, 2011 marcou uma forte viragem, que se traduziu na desvalorização política e social da educação de adultos, na expressiva diminuição do financiamento e das ofertas existentes e no reforço dos dois sistemas de educação e formação existentes (a escola/educação formal e os centros de formação profissional) marcados por práticas frequentemente escolarizadas. Emergiram, assim, novos desafios, entre os quais podem sublinhar-se dois: (1) o necessário relançamento político, institucional e profissional de um sector que se mantém pouco reconhecido socialmente; (2) a forte dependência do financiamento da UE (não havendo mudanças na situação atual, poderá agravar a tradicional tendência de descontinuidade e intermitência das políticas públicas) deveria dar lugar a uma maior intervenção do Estado Português.
2.º PAINEL | Necessidades de educação e formação de pessoas adultas em idade ativa
Joaquim Ferreira abriu o 2.º Painel com a comunicação "Trajetórias pessoais de desemprego e reemprego: fatores pessoais e contextuais", salientando logo no início que o desemprego é também uma forma de exclusão. Neste sentido, referiu que a investigação sobre o desemprego aponta para as consequências adversas deste para as pessoas e para as comunidades, sendo o trabalho considerado por diversos autores como determinante para a saúde psicológica e para o bem-estar. Apontou, ainda, alguns desafios no âmbito das políticas públicas de formação e emprego e do aconselhamento de carreira, nomeadamente: (1) promover o acompanhamento/aconselhamento e orientação ao longo da vida; (2) construir comunidades de responsabilidade social (envolvendo as pessoas que estão mais na periferia, com menos qualificação e com menos recursos financeiros).
Posteriormente,
João Caramelo organizou a sua comunicação a partir da “
Agenda para as Novas Competências na Europa”.Reforçou, neste sentido, que é fundamental trabalhar sobre o que é a formação como um direito e que além de existir reconhecimento das aprendizagens ocorridas em contextos informais e não formais deve existir reconhecimento social desta prática. Acrescentou, ainda, que deve promover-se a territorialização dos processos formativos (sendo essencial uma lógica de proximidade), pois as necessidades formativas encontram-se relacionadas com as dinâmicas das próprias cidades e da diversidade de contextos.
3.º PAINEL | A agenda política até 2020 e os desafios levantados a entidades e profissionais
Painel "A agenda política até 2020 e os desafios levantados a entidades e profissionais"
(Margarida Chagas Lopes, Luís Capucha e João Couvaneiro)
Na parte da tarde, João Couvaneiro começou por apresentar um diagnóstico geral: cerca de 55% dos adultos (entre 25 e 64 anos) não concluíram o ensino secundário; redução acentuada da rede de centros especializados em educação e formação a partir de 2012; recuo da participação de adultos em atividades de educação e formação; quebra (para números praticamente residuais) da atividade dos Centros. À semelhança dos contributos anteriores, também aqui foram registados alguns desafios, particularmente: (1) dar um novo impulso à Educação e Formação de Adultos para melhorar os níveis de qualificação da população portuguesa; (2) assumir a plena integração da educação e formação da população adulta no sistema educativo (a educação de adultos tem de ser convocada, pois ainda não está naturalizada no sistema educativo); (3) assegurar a estabilidade e a resiliência política; (4) melhorar as representações sociais associadas aos processos de educação e formação da população adulta; (5) garantir o financiamento e a sustentabilidade; (6) assegurar a agilidade dos processos de candidatura financeira e o pagamento atempado; (7) reforçar a qualidade dos processos de educação e formação da população adulta; (8) contrariar os baixos níveis de execução que os centros apresentaram nos últimos anos; (9) ampliar a oferta de educação e formação para a população adulta.
Margarida Chagas Lopes prosseguiu a “ordem de trabalhos” com uma comunicação intitulada “A Educação e Formação para a População Adulta: uma questão de responsabilidade social” através da qual realçou dois aspetos essenciais: por um lado, o de que a área da educação e formação de adultos constitui um palco onde se cruza uma variedade de interesses (formativos, sociais e políticos), onde se encontra e tenta concertar uma rede de instituições que intervêm a diversos níveis e em distintos planos; por outro lado, a educação e formação da população adulta assume-se hoje em dia como um dos principais desígnios sociais, visando a inclusão social (pois nesta fase de acentuada inovação tecnológica e económica, com crescente risco de desemprego por obsolescência de qualificações, a aprendizagem e formação permanentes e a educação e formação ao longo da vida constituem veículos fundamentais de inclusão no mercado de trabalho, sobretudo em situações de reinserção após desemprego prolongado). Sublinhou, ainda, que o risco de se ficar à margem da sociedade, da comunidade e até da família aumenta também substancialmente nos dias que correm e tanto mais quanto menor for o acesso à informação e ao conhecimento. Além disso, quem pouco estudou em criança e em jovem tem agora maior dificuldade em aprender e processar as novas formas pelas quais o conhecimento e a informação se expressam, circulam e, eventualmente partilham. Também aqui foram deixados três desafios: (1) fazer face aos nódulos de injustiça (sendo uma das mais significativas, na sua opinião, a de género); (2) promover a qualificação de gestores de pequenas e médias empresas que detêm baixas qualificações; (3) articular de forma consistente e sólida com as tutelas, de forma a não alimentar iniciativas avulsas.
4.º PAINEL | Como motivar as pessoas adultas a investir nas suas qualificações?
“Como motivar as pessoas adultas a investir nas suas qualificações?” foi o mote da comunicação de Albertina Oliveira. As sociedades contemporâneas, caracterizadas pela aceleração exponencial das mudanças (a nível científico, tecnológico, económico, cultural, etc.) colocam-nos perante a necessidade de renovar e desenvolver constantemente os conhecimentos e competências, sendo forçoso elevar o nível educacional e formativo das pessoas. O direito de aprender crescentemente assume a forma de obrigatoriedade de aprender, sendo a nível profissional que esta última mais se faz sentir (embora os seus reflexos estejam presentes em todas as esferas do quotidiano). A disposição para aprender, porém, não é mobilizada da mesma forma em todos os adultos, nem as oportunidades de educação e formação chegam a beneficiar todos tanto quanto seria desejável. Sublinha que, de facto, é um dado recorrente que são os adultos mais jovens, os que apresentam um nível superior de educação e um nível socioeconómico mais elevado, que mais beneficiam das oportunidades educativas/formativas (como também foi possível constatar através das intervenções anteriores). Salientou, ainda, que existem três níveis integrados da motivação das pessoas adultas:
- Nível 1 | Sucesso + Volição
- Nível 2 | Sucesso + Volição + Valor
- Nível 3 | Sucesso + Volição + Valor + Prazer
Esta intervenção foi finalizada com algumas “inquietações”, entre as quais se destacam as seguintes: (1) trabalhar mais, mais depressa e de forma mais inteligente está a servir os interesses de quem?; (2) o planeamento da educação e formação e o modelo motivacional não podem dispensar a reflexão crítica e o compromisso com valores humanos fundamentais.
António Fragoso encerrou o Painel com a comunicação intitulada “Investir na qualificação dos adultos: responder às perguntas ‘certas’?”. Para tal, organizou o seu discurso no sentido de responder a quatro questões nucleares: (1) quem queremos nós qualificar?; (2) que oferta formativa existe?; (3) quais os agentes educativos?; (4) quais as instituições educativas?. Em relação à primeira questão, referiu que é fundamental compreender quais as características centrais da população adulta portuguesa e se é possível, ou não, desenhar um perfil do “adulto não participante” na educação e na aprendizagem. A resposta é afirmativa, tratando-se, geralmente, de pessoas com mais de 45 anos, que auferem menos de 700€/mês, com escolaridade inferior ao 9.º ano, habitante em zonas de baixa densidade populacional (ou mesmo isoladas), com baixa qualificação profissional, não utilizador/a de computador ou Internet, desconhecedor/a de línguas estrangeiras e sem hábitos de leitura. Naturalmente é a este grupo populacional que devemos dirigir-nos quando queremos melhorar as qualificações dos adultos. Quanto à segunda questão, foi feita alusão à alfabetização, às ofertas de segunda oportunidade, às parcerias com as organizações da sociedade civil, à existência de conceitos e dispositivos de formação flexíveis e diversos (como, por exemplo, educação com alternância de períodos de formação com períodos de trabalho), validação de adquiridos experienciais e alternativas que cubram uma vasta gama de situações, propósitos e objetivos dos adultos. A terceira questão foi “respondida” com outra: onde estão os educadores de adultos, formados como tal? Neste sentido, foi discutida a pertinência de um curso (de licenciatura) específico para formar educadores de adultos. No que concerne à última questão, foi reforçado que instituições educativas são todas aquelas que respondem às necessidades locais.
Por fim, David Justino, procedendo ao encerramento do Seminário, resumiu-o em três palavras-chave que estiveram presentes (direta ou indiretamente) em todas as comunicações: princípios, finalidades e desafios. De facto, ao alicerçar-se nos princípios que a legitimam, a Educação e Formação de Adultos deve gravitar em torno das suas finalidades, respondendo aos desafios que a sociedade (lhe) vai colocando.