Hoje o assunto voltou à superfície, qual bola cheia de ar, enviada à força para o fundo do mar, que regressa numa explosão de movimento de água e nos salpica despudoradamente as rugas convictas de sulcos arados em tantas campanhas em prol da defesa dos direitos humanos e da igualdade de tratamento, independentemente das distinções individuais.
Às vezes é apenas um trejeito, quase impercetível, mas presente no final de uma afirmação, "Esteve aí um senhor...", carregado de interrogação, na tentativa de se percecionar se o interlocutor vai ou não dar seguimento à pitada de racismo contida nas reticências silenciosas, espectante, mas hipocritamente disponível para qualquer saída airosa alternativa, no caso de ser necessário escudar-se nas palavras usadas, negando, então, obviamente, o peso do silêncio, das reticências, do trejeito. Nem foi preciso completar, bastou o silêncio, o trejeito, a hesitação para perceber que a frase tinha "...cigano" na ponta.
Na cartilha dos (In)tolerantes, o termo "CIGANO" tornou-se uma injúria, é dito à boca pequena, em sussurro, frequentemente substituído por "etnia", porque parece conter consequências quase tão graves quanto as da "Palavra Mágica" de Vergílio Ferreira.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo 26º, lembra-nos que "A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz."
Ora a Declaração Universal dos Direitos Humanos é apenas um dos muitos Mapas criados pela humanidade, em busca de orientação, para a descoberta e construção de novos mundos, confrontada com uma realidade tantas vezes tão distante do sonho, como o eram as terras remotas descritas por Piri Reis nos seus mapas de marear.
A nossa vivência do dia a dia com os ciganos está tremendamente afastada da imagem social preconizada na Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, outro mapa que nos guia em direção ao diálogo intercultural,a promoção da educação, da cultura e da cidadania, a integração social, o direito à habitação, ao emprego e à saúde. Parece existir um fosso enorme entre o que todos sabem que está politica e socialmente correto e a atuação, o modus operandi, que se verifica quando estamos no terreno.
O cigano é persona non grata, excluído socialmente, temido e evitado, por ser cigano. "Ninguém dá emprego ao cigano: ele não sabe ler nem escrever!" dizem, ao falar da sua condição social.
A escrever o Portfólio Reflexivo de Aprendizagens |
As escolas, por seu lado, preferem "evitar que esses dois universos se cruzem", referindo-se, por um lado, à população constituída por alunos do ensino regular, de dia, e por outro lado, aos formandos adultos de EFA B1 (maioritariamente ciganos).
Mas o caminho do futuro não se faz com mais exclusão. Quando encontramos ciganos que se recusam a assumir as normas por que todos os portugueses se devem reger, em deveres e direitos, devem ser (in)formados para o exercício de uma cidadania plena, ativa e participada, conciliando as suas regras internas com as da lei geral, pois são cidadãos portugueses. A Educação e Formação de Adultos é a ferramenta eficaz para promover a inclusão social, sobretudo junto de adultos pouco qualificados e desfavorecidos, para prover lacunas de competências e para promover igualdade de oportunidades.
Para construirmos sociedades mais justas, integradoras, culturalmente diversificadas e respeitadoras dos indivíduos, precisamos de perceber o valor intrínseco de cada ponto de vista, acolhendo-o e, depois, encaminhá-lo para um percurso de desenvolvimento adequado, tendo em vista a plena integração social, no respeito pelas particularidades.
O caminho é longo, sim, mas se queremos alinhar com a Estratégia Europa 2020, não podemos parar de caminhar, devemos continuar a procurar soluções, em lugar de sermos parte do problema.
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