terça-feira, 27 de março de 2018

Integração e Preconceito: o jeito de ser "Inoque".


Hoje o assunto voltou à superfície, qual bola cheia de ar, enviada à força para o fundo do mar, que regressa numa explosão de movimento de água e nos salpica despudoradamente as rugas convictas de sulcos arados em tantas campanhas em prol da defesa dos direitos humanos e da igualdade de tratamento, independentemente das distinções individuais. 

Às vezes é apenas um trejeito, quase impercetível, mas presente no final de uma afirmação, "Esteve aí um senhor...", carregado de interrogação, na tentativa de se percecionar se o interlocutor vai ou não dar seguimento à pitada de racismo contida nas reticências silenciosas, espectante, mas hipocritamente disponível para qualquer saída airosa alternativa, no caso de ser necessário escudar-se nas palavras usadas, negando, então, obviamente, o peso do silêncio, das reticências, do trejeito. Nem foi preciso completar, bastou o silêncio, o trejeito, a hesitação para perceber que a frase tinha "...cigano" na ponta. 

Na cartilha dos (In)tolerantes, o termo "CIGANO" tornou-se uma injúria, é dito à boca pequena, em sussurro, frequentemente substituído por "etnia", porque parece conter consequências quase tão graves quanto as da "Palavra Mágica" de Vergílio Ferreira. 
Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo 26º, lembra-nos que "A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz."

Ora a Declaração Universal dos Direitos Humanos é apenas um dos muitos Mapas criados pela  humanidade, em busca de orientação, para a descoberta e construção de novos mundos, confrontada com uma realidade tantas vezes tão distante do sonho, como o eram as terras remotas descritas por Piri Reis nos seus mapas de marear. 

A nossa vivência do dia a dia com os ciganos está tremendamente afastada da imagem social preconizada na Estratégia Nacional para a Integração das Comunidades Ciganas, outro mapa que nos guia em direção ao diálogo intercultural,a promoção da educação, da cultura e da cidadania, a integração social, o direito à habitação, ao emprego e à saúde. Parece existir um fosso enorme entre o que todos sabem que está politica e socialmente correto e a atuação, o modus operandi, que se verifica quando estamos no terreno. 


O cigano é persona non grata, excluído socialmente, temido e evitado, por ser cigano. "Ninguém dá emprego ao cigano: ele não sabe ler nem escrever!" dizem, ao falar da sua condição social. 

A escrever o Portfólio Reflexivo de Aprendizagens
As escolas, por seu lado, preferem "evitar que esses dois universos se cruzem", referindo-se, por um lado, à população constituída por alunos do ensino regular, de dia, e por outro lado, aos formandos adultos de EFA B1 (maioritariamente ciganos). 
Mas o caminho do futuro não se faz com mais exclusão. Quando encontramos ciganos que se recusam a assumir as normas por que todos os portugueses se devem reger, em deveres e direitos, devem ser (in)formados para o exercício de uma cidadania plena, ativa e participada, conciliando as suas regras internas com as da lei geral, pois são cidadãos portugueses. A Educação e Formação de Adultos é a ferramenta eficaz para promover a inclusão social, sobretudo junto de adultos pouco qualificados e desfavorecidos, para prover lacunas de competências e para promover igualdade de oportunidades. 


Para construirmos sociedades mais justas, integradoras, culturalmente diversificadas e respeitadoras dos indivíduos, precisamos de perceber o valor intrínseco de cada ponto de vista, acolhendo-o e, depois, encaminhá-lo para um percurso de desenvolvimento adequado, tendo em vista a plena integração social, no respeito pelas particularidades. 

O caminho é longo, sim, mas se queremos alinhar com a Estratégia Europa 2020, não podemos parar de caminhar, devemos continuar a procurar soluções, em lugar de sermos parte do problema. 

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