Hoje sentei-me ao lado de uma glicínia prestes a florir e senti-me transportada para um outro mundo. À minha volta, só flores cheirosas, borboletas, árvores de fruto e pequenos insectos, zangões azafamados a deslizar pelos raios de luz em direcção às corolas acolhedoras e cheirosas. Uma brisa ligeira soltava aromas de vida e o musgo verde anunciava uma força vital de renascimento, promessa inexorável anualmente cumprida. Senti-me pertença desse mundo mágico, como quem sente saudades de um paraíso perdido. Mas naquele lugar, ali tão perto, tão dentro de mim, o Eden acontecia, naturalmente, a brotar do cheiro do vento e do silêncio da glicínia a florir. Fiquei a desejar partilhar este instante, tão presente, tão persistente e tão efémero, em simultâneo. Desejei que outro sentisse e perpetuasse a intensidade da beleza e da serenidade daquele momento. Como era obviamente natural: a vida quer-se vivida, e não vencida! Se os insectos vivem com prazer, se as flores são expressão de júbilo, se as árvores se sublimam em frutos, onde está a nossa resiliência perante os desafios da existência? Onde ficou a alegria da nossa infância? O que aconteceu à magia dos nossos desejos secretos? E a nossa capacidade de criar? E a nossa sede infinita de saber? E aquela motivação intrínseca para aprender e apreender o que nos rodeia e acrescentar, assim, o universo ao nosso mundo interior? Porque zumbem os zangões num frenesim prazeroso? "Há palavras que nos beijam como se tivessem boca", dizia Alexandre O'Neill; tomo a liberdade de acrescentar que há imagens, sons e perfumes que nos tocam como se fossem palavras...
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