O meu desejo, no início deste texto, é que o mesmo sirva de alerta, por isso vou tentar ser directo e sintético.
Tenho acompanhado vários Centros Novas Oportunidades, de Norte a Sul do país, públicos e privados, em escolas, centros de formação e outros. Tenho também acompanhado equipas dos Cursos de Educação e Formação de Adultos. Encontro sempre, na maioria, um conjunto de pessoas de um elevado profissionalismo, com muita dedicação e com o desejo de fazer sempre melhor. Vejo, também, que o caminho se fez, até aqui, caminhando. A ANQ (com um ano e pouco de vida) veio trazer uma gestão de todo um “mundo” de entidades, projectos e até um Catálogo Nacional de Qualificações. E o caminho foi-se fazendo entre dúvidas, respostas a dúvidas, orientações e metodologias que, em teoria respondem aos desafios e na prática têm sido respondidas com o ajuste da realidade e a adequação necessária a essa mesma realidade. Penso que, as mudanças e alterações que foram e serão introduzidas, muitas vezes contradizendo outras já emanadas não podem ser vistas como erros, mas como aprendizagens entre o que da realidade da implementação emerge e dos objectivos gerais e estratégicos se anseia. Por aqui, nada a dizer…
No entanto, há uma reflexão para melhoria e alerta que desejava fazer: A Educação e Formação de Adultos, com a implementação do processo de RVC e cursos EFA são áreas de trabalho muito exigentes. Exigem tempo, humildade, partilha. E é sobre este três factores que quero deixar uma palavra.
Sobre o tempo. Muitos profissionais e formadores consideram que o trabalho, quer no processo RVC, quer nos cursos EFA pode ser feito no tempo laboral que é destinado sem mais qualquer gasto de tempo suplementar. É preciso alertar que tal não é possível. A Educação e Formação de Adulto não é um momento. É um processo. E como tal exige muito mais do que preparar actividades, formação ou ensinar. Exige tempo de atenção, de escuta, de observação. Exige tempo para estar disponível. Exige tempo para transferir conhecimentos e mobilizar competências. É um processo contínuo e continuado. Quem pensar o contrário nunca entenderá a Educação de Adultos.
Sobre a humildade. A Iniciativa Novas Oportunidades têm o mérito de ter trazido muitas pessoas de regresso à escola. Mas há um reencontro a fazer para além deste regresso. É o reencontro com a aprendizagem e com a gestão da qualificação pessoal. Muitos formadores tiveram uma vida inteira de ensino e agora são transportados para um projecto onde se valoriza a história de vida e conhecimentos adquiridos pelos adultos que importa “desocultar”. É, em primeiro lugar e à primeira vista, uma inversão de tudo o que havia sido pedido até aqui a estes profissionais. Mas não é. Tudo depende de um só factor. Que se comece por desconstruir, dentro de cada um, a ideia que a detenção do saber está só do lado de quem tem o papel de ser orientador dos saberes. Que se comece por entender que, neste processo, a mundividência de quem é formador ou profissional não tem necessariamente de ser a de quem vem à procura de regressar à escola. O mesmo se passa com os profissionais RVC ou mediadores EFA. E deixo uma frase para reflexão que sintetiza o que desejo dizer: «É órfão, não és? E achas que eu posso saber como foi a tua vida só porque li Oliver Twist?»
Sobre a partilha. Estamos, por formação, todos habituados a trabalhar individualmente para objectivos pessoais e profissionais. As escolas e centros/entidades estão também habituados a tal. É preciso mudar esse paradigma. Quer a nível pessoal, quer a nível institucional. É por um centro certificar 200 ou 300 pessoas que é bom? É por um formador sentir que deu “uma boa aula” que o adulto/formando aprendeu? É por uma profissional pensar que chegou até ao adulto que o seu trabalho está completo? Ou será o inverso? Porque uma dezena ou centena de adultos continuaram a sua formação após o processo RVC ou curso EFA? Porque o adulto/formando, com o que aprendeu melhorou o seu desempenho e vem contar isso em sala ou contexto de formação? Ou porque um adulto falou sobre o que aprendeu com a vida de forma aberta e tomou consciência do valor dessa aprendizagem ao longo da sua vida? E não será melhor, numa região, a escola, os centros de formação e entidades privadas qualificarem as pessoas para as ajudar a enfrentar os problemas profissionais, sociais ou da comunidade do que procurar actuar sozinha na sua vã glória ou vã cobiça?
Ficam estas reflexões. E fica um desafio…
Será que vamos, todos (escola, entidades, centros de formação, professores, formadores, profissionais…) perder mais esta oportunidade de mudar as coisas?... Será que a tentação de cumprir números só por os cumprir irá vencer a ainda mais necessária apropriação e consciencialização do valor e importância da qualificação, para cada um dos adultos ,como forma de vencer os desafios actuais? Ficam as questões para reflexão.
1 comentário:
Olá João! :)
Depois de ler e reler e muito pensar, resolvi arriscar dar o meu comentário sobre o que escreveu. As suas palavras fazem-me, antes de tudo, reflectir a minha própria prática... E chego a uma conclusão a que chego sempre quando páro um pouco e penso. Há muito por fazer, sei que enquanto profissional posso ainda fazer muito mais, mudar. E não apenas eu, penso e acredito que cada um de nós, envolvido neste projecto, pode e deve sempre procurar fazer melhor.
Concordo absolutamente que as orientações que têm sido reajustadas são frutos de um processo de aprendizagem, inclusivamente da Agência, mas penso que a forma como são implementadas e aplicadas no terreno nem sempre é a mais adequada. Há uma grande falta de informação sobre aspectos bastante importantes para o nosso trabalho na prática. Penso que não se podem enviar orientações pelo mail ou correio sem que haja um conjunto de respostas posteriores às dúvidas que elas suscitam. As orientações não contemplam todos os casos, como é evidente, daí que muitas das dúvidas surjam no terreno. As respostas nem sempre chegam ou, mais difícil ainda, são paradoxais.
No entanto (e isto também pode parecer um paradoxo...), penso que muitas vezes o primeiro passo tem que ser dado pelos técnicos. Tenho-me apercebido em diversos contextos que muitos nem sequer lêem as orientações e/ou as informações emanadas. Aí não se tem credibilidade para contestar o que quer que seja...
Quanto aos restantes aspectos... a disponibilidade é algo que não é contabilizável, é algo que se tem ou não tem, em tudo o que se faz. É um dos sinais do prazer que temos naquilo que fazemos. A humildade... não é fácil mudar completamente, quase de um dia para o outro, aquilo em que se acreditou toda uma vida, nomeadamente essa ideia (ainda tão, mas tão enraizada) de que "a detenção do saber está só do lado de quem tem o papel de ser orientador dos saberes". E isso eu compreendo. Acho que é preciso, antes dessa mudança, ter o coração e a mente abertos para tentar compreender quais são os pressupostos da educação de adultos, quais são os objectivos de um curso EFA, por exemplo. Ouço muitas vezes professores a dizer, revoltados e angustiados: "mas como é que eu vou dar uma aula? porque é que não é uma aula?". Nunca ouvi nenhum perguntar: "antes de tudo, o que é afinal um curso EFA? o que se espera de mim nestas novas funções?"...
A partilha... bem, já falámos aqui muitas vezes da necessidade urgente, crescente, de haver partilha de experiências. Não para dizer "eu sou bom, eu é que faço bem", mas para repensarmos todos a nossa prática, as metodologias que estamos a implementar: "realmente... espera aí... eu secalhar posso fazer melhor, diferente, isto até parece estar a resultar...".
Seria realmente uma pena se perdêssemos esta grandiosa oportunidade de inovar, de crescer, de fazer algo maior do que foi feito até aqui. E, atenção, maior não é sinónimo de números, mas de impacto real na nossa sociedade!
Bom trabalho!
Mafalda Branco
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