Estive presente numa sessão de entrega de diplomas para a equivalência ao 9.º e 12.º anos recentemente. Cerca de 350 pessoas enchiam uma sala. Mas não eram as 350 pessoas. Eram estas, mais as famílias. Filhos, pais, avós e amigos, juntos na escola para verem alguém, que lhe é querido, receber um diploma. No final, muitas pessoas vieram cumprimentar-me e ao trocarem breves palavras comigo diziam que já se tinham inscrito neste ou naquele curso ou, simplesmente, estavam a continuar o processo RVCC. Por instantes a minha mente fugiu daquele local e regressou a uma reunião que havia tido dias antes. E ouvi da boca de uma formadora a seguinte frase: "Ainda não acredito nas vantagens ou neste sistema.". Foi ai que a ideia que tinha e que andava em mim fez nascer este texto. Há mais dúvidas entre aqueles que fazem parte das equipas dos CNO que entre os adultos. Dúvidas que surgem do confronto, sempre e ainda presente, entre o sistema formal e esta valorização da aprendizagem ao longo da vida. Ainda não há, consolidada, a ideia de que não se pode nunca comparar os dois modelos. Estes têm objectivos diferentes, modelos diferentes e deles se esperam resultados diferentes. Comparar é um acto de limitação. Um acto de não reconhecer que estamos perante um desafio que já foi vencido. Hoje há adultos de regresso à escola. Há entre os candidatos ao processo RVCC, principalmente ao nível do Secundário, a ideia de que o processo não é fácil. Que exige trabalho, reflexão e consolidação de saberes. Há, entre os adultos, uma forma de ver o processo que não existia há uns anos. A ideia que o processo RVCC é composto por uma linha de demonstração de competências. Demonstração essa que envolve o próprio processo. De facto, quem está em contacto com os adultos e, como eu, estive a ouvir, entre conversas, a ideia do projecto Novas Oportunidades fixou-se como um instrumento válido, valorizado e credível. Resta agora as equipas (e não falo de todas, claro) pensarem no tanto que conseguem, nas portas que abrem, no que ensinam e no que aprendem com as pessoas a quem ajudam a desocultar e abrir novos caminhos. O primeiro exercício é simples. É os elementos da equipa técnico-pedagógica aplicarem os referenciais à sua própria vida. É um exercício de auto-análise que mostra o quão importante é reconhecer competências. O segundo é o de olhar para as salas de aula (típicas salas ainda nas escolas) e verem nestas sentadas pessoas a quem a vida afastou daquele lugar tantas vidas que por lá podiam ter passado muito mais tempo. O terceiro é um acto de humildade. Muitos profissionais RVCC são hoje gente jovem e os formadores também. Perguntem a vocês próprios que outro modelo podia ser aplicado. Façam sugestões para melhorar o que temos. Enviem essas sugestões para a ANQ. Produzam materiais que melhorem o processo. Dizer que não se acredita só por dizer não tem qualquer valor. E por último, imagem que esta "Nova Oportunidade" era dado a cada um de vocês caso não tivessem tido as oportunidades que tiveram. Será que a vossa vida não teria o valor para ver reconhecido uma equivalência do 9.º ou 12.º anos? Deixemos de discutir inútil. Já ninguém o discute. O que falta agora é imaginação, propostas de melhoria e evolução. Isso está nas mãos de todos. Isso depende de todos. Resta-me deixar este desafio: pensem o melhor, criem o melhor, arrisquem em tentar melhorar. O futuro constrói-se assim.
2 comentários:
Olá João!
É curioso lançar-nos o desafio de nos imaginarmos sem as "oportunidades" que tivemos. Tenho pensado muitas vezes no dia em que terminei a minha licenciatura, por exemplo. Por vários motivos, terminar o meu curso foi extremamente difícil e foi um percurso acidentado, por isso dei e continuo a dar muito valor àquilo que consegui. Recordo quando fui levantar o certificado de habilitações, a emoção que senti e o meu pensamento: "não é possível, será que isto é mesmo verdade?"... Não consigo deixar de me comover nas sessões de júri ou nas entregas de diplomas precisamente por isso, porque percebo a emoção das pessoas que não tiveram estas oportunidades que nós, mais jovens, temos.
Velhos do restelo sempre existiram e continuarão a existir e talvez, se houvesse menos, o nosso país avançasse mais e estivesse bem melhor do que está em termos europeus. Acreditar naquilo que se faz é o primeiro passo para podermos mudar o estado das coisas. Querer, efectivamente, mudar e melhorar é outro.
Penso que num período de balanço do ano que tivemos e de preparação do que se avizinha, começar por reflectir sobre estes aspectos é fundamental para que todos nós, envolvidos nesta Iniciativa, compreendamos o impacto da transformação que está a acontecer no nosso país e que pode ser ainda maior se todos nos empenharmos e contribuirmos para isso.
Bom trabalho e/ou boas férias!! :)
Mafalda Branco
Olá
É certo que existem actualmente algumas dúvidas acerca do processo RVCC nas equipas do CNO.
As dúvidas surgem porque foi a primeira vez que, em Portugal, se aplicou um processo de RECONHECIMENTO em vez de se aplicar um processo de AVALIAÇÃO.
Não questiono de todo a validade do modelo pois sou uma pessoa que concorda com os moldes em que este processo foi concebido e está a ser realizado.
Deixe-me no entanto transmitir a opinião de muitas pessoas que tiveram de passar por um processo de avaliação para obterem o nível básico ou mesmo secundário.
Para essas pessoas do antigo sistema modular, a única hipótese que tinham era de adquirirem conhecimentos em matérias novas, e serem avaliadas no final.
Para essas pessoas, não existia a avaliação do percurso de vida, nem sequer lhes era permitido escolher livremente sobre o que queriam ser "avaliadas".
Penso que é legítimo que essas pessoas comparem os dois modelos, porque no final o resultado é o mesmo:
- Obtêm um certificado e perante o mercado de trabalho têm ambas a mesma qualificação.
Concordo e reconheço que ambas têm o mesmo valor, só que a uma foi-lhe avaliado e a outra foi-lhe reconhecido.
É nos critérios desta avaliação/reconhecimento que existem as maiores dúvidas das pessoas perante o processo RVCC.
O futuro passa sem dúvida pela qualificação, nisso não tenho qualquer dúvida. O processo RVCC é um excelente início. Não deixemos no entanto que os critérios, metodologias e conceitos sejam desviados dos seus principais objectivos:
- Reconhecer e Validar competências reais que permitam ao candidato obter o certificado de básico ou secundário.
Se estes objectivos forem alterados, então poderemos estar apenas a gastar toner de impressora ...
Ricardo Pedro
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