segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Memória(s) e História(s) de Vida

«A priori, a memória parece ser um fenómeno individual, algo relativamente íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice Halbwachs, nos anos 20-30, já havia sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um fenómeno colectivo e social, ou seja, como um fenómeno construído colectivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças constantes. Se destacamos essa característica flutuante, mutável, da memória, tanto individual quanto colectiva, devemos lembrar também que na maioria das memórias existem marcos ou pontos relativamente invariantes, imutáveis. Todos os que já realizaram entrevistas de história de vida percebem que no decorrer de uma entrevista muito longa, em que a ordem cronológica não está a ser necessariamente obedecida, em que os entrevistados voltam várias vezes aos mesmos acontecimentos, há nessas voltas a determinados períodos da vida, ou a certos factos, algo de invariante. É como se, numa história de vida individual - mas isso acontece igualmente em memórias construídas colectivamente houvesse elementos irredutíveis, em que o trabalho de solidificação da memória foi tão importante que impossibilitou a ocorrência de mudanças. Em certo sentido, determinado número de elementos tornam-se realidade, passam a fazer parte da própria essência da pessoa, muito embora outros tantos acontecimentos e factos possam modificarem-se função dos interlocutores, ou em função do movimento da fala. Quais são, portanto, os elementos constitutivos da memória, individual ou colectiva? Em primeiro lugar, são os acontecimentos vividos pessoalmente. Em segundo lugar, são os acontecimentos que eu chamaria de "vividos por tabela", ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela colectividade à qual a pessoa se sente pertencer. São acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou mas que, no imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela consiga saber se participou ou não. Se formos mais longe, a esses acontecimentos vividos por tabela vêm se juntar todos os eventos que não se situam dentro do espaço-tempo de uma pessoa ou de um grupo. É perfeitamente possível que, por meio da socialização política, ou da socialização histórica, ocorra um fenómeno de projecção ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos falar numa memória quase que herdada.»
Fonte: Memória e Identidade Social.

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