Tom e Jerry animaram a minha infância e passaram a fazer parte do meu imaginário para sempre. Adorava aquelas corridas tontas em que o Jerry envolvia o Tom e vice-versa. Tomava partido ora por um ora por outro e, sempre pelos dois, no fim de contas. Talvez fosse tendenciosamente a favor do mais pequeno, por ele ser mais pequeno, mas sem nunca condenar o maior pelo simples facto de ser maior! Agora, olhando para essas memórias, percebo que nutro uma simpatia espontânea pelos roedores e que adoro felinos. "Ratinha" é um nome carinhoso que se ouve com frequência no seio de casais portugueses, quando noutras partes do globo, "ma petite chatte" ou "pussy cat" são mais frequentes em manifestações íntimas.
Outros ratos vivem no mundo de fantasia do insconsciente: Mickey, Topo Giggio e Ratatui são alguns exemplos, que alimentam os ideologemas do nosso imaginário conceptual, com o uso de alegorias, metáforas,símbolos e mitos, construíndo e desconstruíndo o nosso discurso interno quanto à tradução que fazemos da realidade social, económica, política e cultural em que vivemos.
Mas também há aqueles que têm dos ratos uma imagem bem diferente, vendo neles uma ameaça, sentindo-os como rivais e potenciais inimigos ou então, servem-se deles para propósitos nem sempre óbvios - para os ratos, claro.
Lembro-me, por exemplo, de Robinson Crusoe, naqueles tempos na ilha, em que teve de usar de estratégia para garantir a sobrevivência. Era necessário preservar os grãos de cereais da ameaça dos ratos. E, Robinson, astuto, conhecedor da população de bichos da ilha, preparou, cautelosamente a armadilha. Havia duas castas de ratos: os cinzentos que eram autóctones e os negros que tinham vindo nos navios e que, posteriormente, tinham proliferado. Eram uma séria ameaça para a sua colheita de grãos. Robinson decidiu sacrificar uma pequena parte dos cereais para os atrair:
«Espalhou então dois sacos de cereal pela pradaria, tendo primeiro traçado com os grãos um fino rasto que partia da gruta. (…) Ao cair da noite, os pretos vieram em grande número recuperar os grãos que, certamente, consideravam sua propriedade. Os cinzentos juntaram-se para repelirem essa súbita invasão. A batalha desenrolou-se. Parecia que uma tempestade levantava por toda a parte pequenos jactos de areia. Os pares de combatentes rolavam como bolas vivas, ao mesmo tempo que uma chiadeira ensurdecedora subia do solo. O resultado do combate era previsível.»
in "Sexta_feira ou a Vida Selvagem", Michel Tournier
As duas castas de ratos dizimaram-se mutuamente e Robinson ficou com os grãos todos para ele.
Sem falsos pudores e consciente da existência de bastidores, não quero participar em lutas de ratos, no palco da Educação e Formação de Adultos em Portugal.
Quero manter os olhos bem abertos, de preferência, sob o "véu da ignorância" de Rawls.
Quero perceber em que batalhas nos querem envolver e por que razão o querem fazer.
Quero participar na construção de um país maior perspetivado para a Aprendizagem ao Longo da Vida em que o sujeito aprendente se reconhece como agente da sua formação contínua, assumindo princípios de vida que incluem respeito, igualdade, transparência, autonomia e confiança na construção de uma identidade em que a partilha de experiências seja uma porta aberta para o desenvolvimento.
Cidadãos mais qualificados constroem uma sociedade mais justa, porque a compreendem melhor.
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