sábado, 16 de janeiro de 2010

A des/re/construção do PRA (I)

Não sei o que é conhecer-me. Não vejo para dentro. Não acredito que eu exista por detrás de mim. Alberto Caeiro

António escreveu para mim e eu li. Houve, naquela partilha, uma imediata descoberta de António e uma consequente descoberta de mim. Eu vi-me retratada no olhar que lhe lançava e ele viu-se, ali, também, porque me via olhar para ele. Entre nós os dois, um duplo espelho. Um dos espelhos tinha principalmente uma imagem reflectida, a do seu rosto. No outro espelho, o reflexo era mais complexo: estávamos os dois em equilíbrio instável e, entre nós, distinguia-se claramente um livro imponente. Nesta triangulação relacional, impunha-se, majestoso, o processo de reconhecimento, objecto de construção e desconstrução da imagem reflectida na minha mente, perscrutando competências em evidência na narrativa discursiva do António. Olhei para o primeiro espelho e vi a imagem do seu rosto, sorridente e triste, de quem tinha uma vida para contar mas se detinha na narrativa auto-biográfica que lhe fora pedida. Estava sorridente, porque António gostava da vida, dos afectos e da descoberta. Tinha tido um percurso invulgar, recheado de viagens ilusórias e de miragens reais; ainda andava à procura do amor, que nunca lhe tinha chegado. Quase insaciável, António bebia amores como quem vivia no deserto. (CONTINUA)

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