terça-feira, 8 de setembro de 2009

Ler e escrever: um direito fundamental

Assinala-se hoje o Dia Mundial da Alfabetização, promovido pela UNESCO, que, aliás, contempla uma década (2003-2012) de investimento no combate ao analfabetismo, que está bem longe de ser conseguido. Estima-se que cerca de 700 milhões de adultos em todo o mundo mão saibam ler nem escrever, sendo que desses cerca de 500 milhões são mulheres.
Em Portugal, a taxa de analfabetismo ainda ronda os 9%, de acordo com os Censos de 2001, o que representa cerca de 1 milhão de pessoas. Para o presidente da Associação O Direito a Aprender, Rui Seguro, "estes números ainda estão muito longe do ideal. Nos países nórdicos é um escândalo quando se encontra uma pessoa analfabeta. Já em Portugal menospreza-se essa realidade. Estamos a falar de quase um milhão de pessoas", refere.

Num país que investe actualmente na formação de base da população adulta, a verdade é que muitas pessoas continuam sem ter acesso àquele que é um direito fundamental de qualquer ser humano: aprender a ler e a escrever. É verdade que esta taxa tão elevada se deve ao envelhecimento da população, mas quem trabalha com adultos, sobretudo em zonas do Interior, sabe que esta não é uma realidade exclusiva dos mais velhos. Não é uma raridade encontrar vários casos de adultos, na casa dos 40 anos, logo em idade activa, que são analfabetos. Não estou a traçar um quadro negro, é a verdade dos meios rurais e desfavorecidos, onde muitas vezes a sobrevivência e a necessidade se sobrepõem àquilo a que se considera como básico e fundamental para a maioria de nós: a Escola.

Como profissional da Educação de Adultos, mas sobretudo como cidadã, interrogo-me muitas vezes sobre a (des)igualdade no acesso à formação/educação. Como sabemos, os adultos que pretenderem frequentar um Curso de Alfabetização, não têm qualquer apoio para o fazerem. Falo, por exemplo, de subsídio de alimentação e de transporte, como acontece actualmente, para os restantes adultos, na formação financiada. Sabemos também que estes adultos têm imensas dificuldades de transporte, por razões várias e, por experiência própria, nem sempre se consegue apoio por parte de outras entidades (como os Municípios) na resolução deste problema. Um dos principais motivos é "serem poucas pessoas, num período de contenção de despesas". E eu pergunto: essas pessoas, mesmo sendo poucas (5, 10, 15, 20...), não têm direito a saber assinar o seu nome quando querem passar um cheque ou até fazer uma inscrição num Centro Novas Oportunidades?... Urge pensar, encontrar e implementar estratégias efectivas no combate ao analfabetismo no nosso país. Não basta criar os Cursos de Alfabetização, é preciso criar condições para que sejam frequentados. É preciso haver, verdadeira e urgentemente, uma igualdade de oportunidades no acesso à educação.

Deixo, para reflexão, alguns versos do maior poeta popular português, que mal sabia ler e escrever, mas que nos deixou aquela que era a sua maior riqueza: a sabedoria de vida... Os seus versos continuam tão actuais como se fossem escritos hoje.

Sei que há homens educados
Que tiveram muito estudo.
Mas esses não sabem tudo,
Também vivem enganados;
Depois dos dias contados
Morrem quando a morte vem.
Há muito quem se entretém
A ler um bom dicionário...
Mas tudo o que é necessário
Calculo que ninguém tem.

Ao primeiro homem sabido,
Quem foi que lhe deu lições
P'ra ter habilitações
E ser assim instruído?...
Quem não estiver convencido
Concorde com este aviso:
— Eu nunca desvalorizo
Aquel' que saber não tem,
Porque não nasceu ninguém
Com tudo quanto é preciso!


António Aleixo, in "Este Livro que vos Deixo, Vol. II"

Mafalda Branco
Profissional RVCC

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