segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Em defesa da Iniciativa Novas Oportunidades.

Ultimamente temos assistido a uma dupla visão do que é e do que tem sido a Iniciativa Novas Oportunidades.

Em primeiro lugar devemos esclarecer alguns conceitos essenciais para a percepção completa da realidade.

Existem hoje, Centros Novas Oportunidades que estão integrados em escolas públicas e que se baseiam em equipas de recursos humanos assentes em docentes do dito “ensino regular”. Existem ainda Centros Novas Oportunidades (CNO) que são geridos e implementados em entidades privadas. No entanto, a maioria centra-se nos primeiros.

Por outro lado, hoje, os CNO são muito mais do que centros onde se realiza um processo de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC). Hoje, os CNO gerem RVCC de nível básico (equivalente ao 9.º ano), de nível secundário (equivalente ao 12.º ano) e os chamados cursos de educação e formação de adultos (EFA). Estes também de dois níveis, básico e secundário com ou sem componente profissional. A somar a estas actividades, os CNO orientam, coordenam, procuram implementar, metas, objectivos relacionados com financiamentos comunitários e orientam, informam e acolhem inúmeros adultos à procura de um caminho para a sua valorização pessoal, escolar e profissional.

Mas, depois de feito este primeiro enquadramento, o que se diz por ai, pela “rua”?

Que o processo RVCC se faz em 3 meses, que é só elaborar um dossier, que é fácil… mas será?

Vamos então demonstrar que não o é…

Em média, efectivamente, um processo de reconhecimento, validação e certificação de competências demora 4 meses para o ensino básico, 9 a 10 meses para o ensino secundário. Centra-se aqui uma das críticas principais ao processo. Mas é uma crítica populista e de quem não conhece a realidade.

Em primeiro lugar, não é possível a um aluno que abandone a escola sem experiência profissional, ingressar no processo RVCC. Depois, esquecem-se de dizer que a maioria dos candidatos têm 20 ou 30 anos de experiência profissional e inúmeros acções de formação internas e externas às empresas. Anos e anos, horas e horas de aprendizagem formal, não formal e informal que não podiam ver reconhecidas até agora.

Outras das críticas realizadas é que o processo se baseia na elaboração de um “dossier” sem avaliação.

Outro erro demagógico. Em primeiro lugar, não se trata de um dossier. Trata-se de um portefólio. Isto é, um documento onde são registadas todas as aprendizagens realizadas ao longo dos anos, pelos candidatos, de uma forma séria e evidente para o próprio e para uma equipa de, geralmente, cinco pessoas. Um(a) profissional e quatro formadores. Por último é ainda lido e analisado/avaliado por um avaliador externo ao processo. A elaboração desse portefólio passa, muitas vezes, por inúmeras correcções, alterações e melhorias. Para além disto, este documento tem que demonstrar, sem sombra de dúvida a existência de competências, conhecimentos e aptidões indicadas pelo candidato. Caso estas evidências não existem, poderá o adulto ser encaminhado para formação complementar com os formadores ou formação externa ao CNO, com a média de 50 horas, em áreas como Linguagem e Comunicação, Matemática, Tecnologias da Informação e Comunicação e Cidadania e Empregabilidade.

Por último, e na última visão crítica, a de facilistismo…

Em primeiro lugar, a maioria dos profissionais e formadores que integram as equipas dos CNO são profissionais da educação (professores, formadores, etc…). Ora, duvidar da competências destes é duvidar que durante muitos anos os nossos alunos também foram mal ensinados, o que é absurdo. Por outro lado, existem mecanismos, no processo de gestão dos CNO que impedem esse facilistismo. Quer pela existência de Avaliadores Externos, quer pelos princípios orientadores dos próprios referenciais do Ministério da Educação.

Então de onde surgem as estas críticas e estas ideias?

Verdade seja dita que nem todos os CNO funcionam da mesma forma nem com a mesma qualidade e exigência. Por vezes um ou dois casos dão mau nome a uma centena deles que tem feito um excelente trabalho.

Por outro é uma questão de mentalidade que, graças à evolução social, está a alterar-se.

Em Portugal estamos imensamente agarrados à ideia que a aprendizagem se faz nos brancos das escolas, de forma teórica e na reprodução daquilo que foi decorado ao longo do tempo de aprendizagem. E se eu questionar o leitor se aprendeu a falar num banco de escola? Ou por imitação? Se a cultura do nosso povo foi aprendida nos bancos da escola ou numa aprendizagem mais informal? Se aprendeu tudo o que sabe na escola? Terá mesmo sido assim? Faça então esse simples exercício e pense em tudo o que aprendeu informalmente… verá que será muito… mesmo muito. E que fazer com essa aprendizagem? Não lhe dar valor nenhum? Ou reconhecer?

Ao longo dos últimos 10 anos tenho assistido, como pessoa ligada à educação e formação de adultos, a um movimento que, embora ténue, começa a ser notado… começamos a ouvir… “vou tirar aquela formação porque no futuro nunca se sabe se me irão reconhecer alguma coisa por ela na escola ou no mercado”. Esta é a visão do futuro. Esta é a porta que se abre para tantos que hoje estão a ler este artigo e a pensar se valerá a pena regressar à escola por via da Iniciativa Novas Oportunidade. A resposta é simples: claro que sim. Vale a pena ver reconhecido tudo aquilo que a vida lhe ensinou e que, hoje, já vale um nível escolar reconhecido oficialmente. Vale a pena saber o que aprendeu e aprender sempre mais. O futuro passa por aí. A qualificação de todos nós é o nosso futuro.

1 comentário:

f.sousa disse...

Envio um comentário longo, mas depois de começar não consegui parar.
Agradeço a atenção, subscrevo e reforço algumas das suas ideias. Não digo nada de novo é mais uma opinião
Obrigado! Filomena Sousa

Todas as políticas de investimento na qualificação da população adulta portuguesa deparam-se com sérias dificuldades, a Iniciativa Novas Oportunidades não é excepção. Primeiro, a dificuldade em gerir a incongruência que existe entre o facto da generalidade da população reconhecer a importância da aprendizagem ao longo da vida mas ainda serem poucos a praticá-la.

Segundo, o facto das metodologias mais indicadas para os processos formativos de adultos estarem pouco divulgadas junto da população em geral e dos diversos agentes educativos. São metodologias inovadoras no panorama educacional português, valorizam o conhecimento prático do formando, partem das aprendizagens não formais e informais do indivíduo e são, por isso, alvo de elevada desconfiança e descriminação entre os que defendem pedagogias exclusivamente formais.

Terceiro, moldáveis a cada indivíduo em processo (como é o caso do reconhecimento de competências através da construção de um PRA - Portefólio Reflexivo de Aprendizagem) as metodologias referidas, para além dos referenciais que as regem e da equabilidade que devem conferir à qualificação atribuída, têm de ser experienciadas, vividas em processo por equipas altamente qualificadas e competentes que se implicam na evolução de cada indivíduo. O carácter flexível e ajustável do método repercute-se, assim, numa elevada exigência em relação às capacidades de cada profissional, capacidades para motivar, orientar e potenciar o conhecimento e reflexividade do adulto. Este facto implica uma selecção criteriosa dos elementos das equipas, qualificá-los ao mais alto nível e submeter os resultados dos Centros Novas Oportunidades a sistemáticos processos de auto-avaliação e de avaliação externa.

Quarto, nada do que foi referido anteriormente se coaduna com o perigo de se subjugar os objectivos das diversas Iniciativas do programa à necessidade premente de responder a metas estatísticas.

As premissas que regem os procedimentos metodológicos das Iniciativas Novas Oportunidades estão hoje presente noutras directivas do ensino português, consta no Tratado de Bolonha para o ensino superior e repercutir-se-á mais tarde ou mais em todos os níveis de ensino. À partida a dificuldade estaria em pedir aos adultos que demonstrassem competências ou aprendessem através dos resultados da sua própria acção, da reflexão, da interpretação e da capacidade crítica quando, até aqui, sempre lhes foi dito que aprender é ouvir, ver, decorar, repetir e, no máximo, compreender o que lhes foi transmitido. A experiência mostra que esta é uma dificuldade menor, os adultos, se criteriosamente seleccionados, têm vinte, trinta anos de experiência profissional, social e familiar. Estes adultos encorajados e esclarecidos sobre os objectivos e procedimentos metodológicos rapidamente potenciam as sessões de formação ou de reconhecimento de competências. Em relação à aprendizagem de adultos, o desafio coloca-se, então, ao nível da qualidade da equipa que acompanha os adultos, da qualidade dos objectivos a atingir (não quantidade) e das condições que essas equipas têm à sua disposição.

O projecto Novas oportunidades é uma iniciativa essencial à qualificação da população portuguesa e um exemplo de implementação de justiça social e redistribuição do sistema de formação. É um exemplo de mudança do paradigma de ensino e da aprendizagem. A maior parte das equipas envolvidas nesta Iniciativa têm dado tudo por tudo para que a sua dignificação – a auto-estima dessas equipas tem de estar ao nível do seu empenho. Contra tudo e contra todos, pela qualidade de ensino, quem está envolvido neste processo deve ser o primeiro a defendê-lo (sem medos nem hesitações).

Por último, a quinta grande dificuldade – a questão do retorno, de saber se, em Portugal, é útil ou infrutuoso o aumento das qualificações. Em qualquer país do mundo o investimento público ou privado na qualificação é vantajoso. Importante é que as iniciativas promovidas se enquadrem num contexto particular onde: 1) parte significativa das qualificações produzidas responda às necessidades directas do mercado de trabalho; 2) a par do aumento de qualificações esteja a produção de competências individuais e colectivas (competências de relação, competências técnicas, metodológicas, de auto-gestão, de concretização; de cidadania, de pensamento crítico e cientifico, de auto-aprendizagem e de auto-empregabilidade); 3) predomine o número de empresas e organizações qualificantes que valorizem e potenciem o efectivo aumento das qualificações, entendam a actividade profissional como produtor de aprendizagens, promovam a base comunicacional da organização e permitam a cada indivíduo reelaborar os objectivos da actividade profissional projectando-se no futuro.

Atendendo às baixas qualificações do tecido empresarial português, ou seja, do reduzido número de empresas qualificantes que se estabelecem no país, a situação parece preocupante. Agrava-se com o aumento da taxa de desemprego dos jovens com elevada qualificação escolar, nomeadamente dos licenciados e com a desvinculação do investimento escolar das necessidades do mercado de trabalho. Se o aumento da escolarização não for acompanhado de um avanço em termos de inovação das organizações empregadoras, não se promove um contexto de trabalho que legitime o saber e as aspirações construídas durante o período de aprendizagem (talvez também aqui a Iniciativa Novas Oportunidades possa ser útil e tenha o seu impacto, quem sabe).