domingo, 3 de junho de 2007

Constrangimentos e Dificuldades (RVCC)

«Através da análise das funções e competências dos profissionais RVC e dos formadores RVC é possível destacar alguns constrangimentos e dificuldades relacionadas com a sua actividade profissional:

- o trabalho dos profissionais de RVC e dos formadores é condicionado por uma tensão entre duas lógicas “avaliação humanista/avaliação instrumental”. Por um lado, as equipas dos Centros em estudo tentam seguir uma lógica de avaliação centrada no adulto, na auto-avaliação e no auto-reconhecimento, que permita despoletar um processo formativo; por outro lado, o poder político baseado numa lógica de avaliação instrumental exige o cumprimento de metas quantitativas relativas ao número de adultos certificados. Os Centros em estudo têm resistido, tanto quanto possível, à lógica de avaliação instrumental, o que se afigura cada vez mais difícil num contexto em que aumentam o número de CRVCC e a concorrência entre si. Esta situação é evidente no discurso de um profissional de RVC entrevistado: “As metodologias nós tentamos sempre o melhor possível adaptá-las às pessoas, não podemos adaptá-la a cada pessoa, isso não conseguimos, temos metas para cumprir”;

- a decisão de encaminhar o adulto para outras ofertas ou deixá-lo avançar no processo com o objectivo de perceber melhor as suas competências é muito difícil de tomar por parte dos profissionais RVC e dos formadores. Esta situação gera o dilema “permitir a oportunidade/evitar o insucesso”. Os profissionais de RVC e os formadores de RVC tentam fazer a triagem dos adultos o mais cedo possível para evitar o insucesso no processo de RVCC, e é nesse sentido que tentam definir nas primeiras sessões quem está em condições de prosseguir o processo, e quem não está e deve ser encaminhado para outras ofertas. Por vezes deparam-se com situações difíceis de equacionar (p.e quando não há ofertas alternativas ajustadas, ou quando a pessoa já experimentou as várias possibilidades existentes e teve insucessos repetidos);

- os profissionais de RVC e os formadores de RVC deparam-se com a dificuldade em fazer perceber ao adulto a lógica do processo, o que é fundamental para o seu sucesso. O processo de RVCC é novo, os adultos não têm referências relativamente ao modelo que é distinto do modelo escolar, utilizam-se termos técnicos que não lhe são familiares e não consegue interiorizar (p.e competências, referencial, instrumentos de mediação, formação complementar, profissional de RVC). Os adultos vão percebendo a lógica por ajustamentos sucessivos ao longo do processo, mas alguns, possivelmente, nem a chegam a perceber. A novidade da situação e do vocabulário é mencionada por um dos adultos entrevistados: “Um vocabulário que eu desconhecia, mais uma novidade, coisas novas […] fiz um género de redacção, cópia não, não sei precisar o termo…”;

- a concepção e reformulação dos instrumentos de mediação constitui uma das principais dificuldades nas equipas do processo RVCC, e gera um conjunto de dilemas difíceis de resolver, sendo de destacar, os seguintes: complexidade/facilidade (permitam identificar exaustiva e detalhadamente as competências/permitam um preenchimento acessível, por forma a promover a implicação e reflexão do adulto); rapidez/qualidade (permitam garantir a rapidez no preenchimento para tornar fácil o cumprimento das metas por parte dos CRVCC/permitam a garantia de qualidade, assegurando uma boa imagem e credibilidade do processo, dos profissionais envolvidos e do Centro); estabilidade/mudança (a estabilidade dos instrumentos é fundamental para garantir uma maior rentabilização do tempo e dos recursos dos Centros/a mudança e adaptação permanente é fundamental para adequação dos instrumentos à especificidade dos percursos experienciais dos adulto e para rentabilizar a experiência acumulada das equipas dos Centros), a exaustividade/intimidade (permitam captar o melhor possível a globalidade da vida, mas evitando-se que a exaustividade na recolha dos elementos não despolete a exploração de aspectos referentes à intimidade do adulto);

- quando o profissional de RVC tenta ajudar o adulto a ultrapassar situações delicadas (p.e. quando adulto se emociona perante o grupo, quando fala de problemas da sua vida num registo de confidência), nem sempre é fácil discernir os limites entre o profissional de RVC, o psicólogo e o amigo. Esta dificuldade é notória no discurso de um profissional de RVC entrevistado: “nós não nos podemos deixar envolver de mais, a nossa função não é sermos Psicólogos de ninguém, a nossa função é outra, portanto precisamos de ter bem definida a barreira até onde se pode ir com eles […] mas não é muito fácil”;

- a indução das competências a partir do relato do adulto é uma tarefa extremamente difícil para as equipas dos CRVCC, aquilo que cada adulto diz é referente a um saber prático e contextual, e as competências do referencial seguem outra lógica, a dos saberes teóricos e baseados em conteúdos. Os profissionais de RVC e formadores de RVC têm de realizar um rigoroso trabalho de descodificação do referencial e conseguir colocar-se no lugar do adulto, o que não é fácil quando se trata de situações que desconhecem e sobre as quais não têm qualquer tipo de referência;

- a construção de situações-problema constitui uma dificuldade para os formadores de RVC, e dá lugar a uma tensão que se pode designar por complexidade/adequação. Torna-se difícil conceber situações-problema em que se possa, em simultâneo, identificar um conjunto diversificado de competências (complexidade) e que seja pertinente e adequada às especificidades do percurso de cada adulto (adequação). A aplicação das situações-problema, por parte dos profissionais de RVC, é uma tarefa difícil que exige uma articulação e acompanhamento dos formadores, o que nem sempre é possível assegurar quando os formadores trabalham a tempo parcial nos CRVCC;

- na formação complementar os formadores deparam-se com o dilema “expor/reconhecer”. Ou optam por uma lógica de exposição de conteúdos para que o adulto adquira recursos e desenvolva as competências que não foram reconhecidas, ou optam por uma lógica de reconhecimento de competências, através da resolução de situações-problema. Na formação complementar há um grande risco de perversão da lógica do processo de RVCC se o formador optar pela exposição de conhecimentos e pela demonstração de saberes.»


Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências
Complexidade e novas actividades profissionais
Autor: Cármen Cavaco

Sem comentários: